Vicente Martins (Sobral, CE, Brasil)

Vicente Martins (Sobral, CE, Brasil)
Professor de Linguística e Ensino do Português da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.

sábado, 26 de dezembro de 2009

COMO A FAMÍLIA INFLUI NA FORMAÇÃO DE LEITORES


















Vicente Martins


1. Introdução
Uma das reclamações mais freqüentes de pais, com filhos em idade escolar, é a de que as instituições de ensino, públicas ou privadas, populares ou burguesas, não têm dado uma resposta adequada e, em tempo hábil, às crianças que sofrem com as dificuldades de leitura e de escrita no ensino fundamental. A família tem a incumbência de ajudar no processo de formação leitora de seus filhos. As dificuldades lectocritoras atingem ricos e pobres, brancos ou negros, europeus ou latinos, em todas as famílias, que estão nos bancos escolares. Para se ter uma idéia da incidência das dificuldades escolares , no âmbito das instituições de ensino, salientaremos que entre 10 a 15 por cento da população em idade escolar vão apresentar, em sala de aula, algum tipo de dificuldade de aprendizagem. A escola ainda não responde, eficazmente, ao desafio de trabalhar com as necessidades educacionais das crianças especiais, especialmente às relacionadas com as dificuldades de linguagem como dislexia, disgrafia e disortografia. A dislexia ocorre quando uma criança não lê bem ou não encontra sentido diante do texto escrito. A disgrafia e a ortografia se manifestam quando há dificuldade no plano da escrita ou do ato de escrever. São os distúrbios de letras déficits que preocupam os pais porque sabem que o sucesso escolar de seus filhos depende, e muito, da aprendizagem eficiente da leitura, escrita e ortografia.
2. Desenvolvimento da competência lectoescritora
Os pais são os primeiros a observar as dificuldades leitoras de seus filhos. Não são poucos os relatos de ansiedade dos pais por se depararem, amiúde, com as dificuldades de aquisição e desenvolvimento linguagem verbal, oral e escrita, de seus filhos. A leitura e a escrita são duas habilidades complexas e imprescindíveis para aquisição para as demais habilidades escolares como a de calcular e de contemplar os saberes acumulados historicamente na civilização do conhecimento. Os pais, nos seus relatos, apontam educandos que, aos 8 ou 9 anos de idade, apresentam leitura e escrita ou ortografia defeituosas. A troca de letras na escrita ou a troca de fonemas na fala ou leitura são os principais indicadores das dificuldades lectoescritoras. A falta de planejamento no ato de escrever ou a falta de uma compreensão leitora, após a leitura de texto, são indicadores do grau de complexidade da lectoescrita no meio escolar. Nessa faixa etária, particularmente no primeiro ciclo da educação formal e sistemático, no ensino fundamental, as preocupações dos pais se voltam para os primeiros indícios de deficiências lingüísticas. Os transtornos de leitura, as diversas dislexias (fonológica e ortográfica) e de escrita (disgrafias) e ainda disortografia (má grafia das palavras) são as principais queixas dos pais. A tese de que a escola é uma fábrica de maus leitores não deve ser descartada nesse momento. Não se trata de encontrar culpados, mas de buscar as raízes do fracasso escolar. A escola, apesar de ser uma instituição antiga, ainda está engatinhando no ensino científico da línguas materna e estrangeira. A dispedagogia, ausência de método eficaz no ensino escolar, por incúria do sistema político ou por incompetência da gestão pedagógica, é apontada hoje como mais importante causa do fracasso do ensino da lectoescrita e, a insistência no equívoco, acaba por gerar, ao longo de mais de uma década de formação escolar, uma aprendizagem deficiente, “patológica”, causando uma série de “atrasos”, “alterações” “distúrbios” ou “perdas” de letras. A escola, a rigor, não se deu conta de que ensinar bem é favorecer à memória de longo prazo das crianças (MLP), para que estas armazenem informações e conhecimentos por um longo período da vida escolar. Assimilar bem os conteúdos escolares deve ser verdadeiramente a finalidade última da escola. Numa linguagem comum, ensinar para vida é ensinar a pescar e não se limitar a dar o peixe: é ensinar a aprender a aprender. É numa palavra: desenvolver, na criança, a capacidade de aprender. O significado de aprender deve ser portanto o de se alcançar uma assimilação ativa. Aprender na educação infantil, levar esses conhecimentos para o ensino fundamental e aprofundá-los no ensino médio, de tal modo que, na última etapa da educação básica, os jovens tenham desempenho eficiente ou satisfatório na hora de ler um livro ou de escrever um texto para concurso ou vestibular. Sem uma Memória de Longo Prazo (MLP) é difícil o acesso ao léxico na hora de redigir textos ou fazer uma leitura compreensiva. Ler para aprender começa por uma leitura compreensiva de uma obra literária, como a dos clássicos da literatura brasileira (Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Rachel de Queiroz entre outros) e não se limitar a responder as questões da “ficha de leitura”, anexa ao livro. Ler, pois, é inferir idéias e construir, como patrimônio próprio, cosmovisões do meio social, da vida, das relações pessoais, das formas de poder, da civilização, e mais, atribuir sentidos, significados plurais, ao que leu, de modo a aplicar informações e reconhecimentos retidos na vida acadêmica e pessoal. Uma obra, como o Cortiço, de Aluísio Azevedo, não poderá ser traduzida apenas como uma descrição do quadro social do Rio de Janeiro no final do Século XIX, mas como uma crítica do autor, naturalista, à forma predatória com a qual Portugal dominou o Brasil no período colonial. A escola, não poucas vezes, insiste em questões genéricas como “ qual o gênero dessa obra”, “a que escola pertence o autor x ou y”, “ quem é o personagem plano, redondo....”. Procedendo assim, a escola funciona como uma espécie de “cemitério oficial de leitores hábeis”. Alguns professores, nesses “cemitérios leitores”, funcionam não como facilitadores e estimuladores da aprendizagem eficaz, mas verdadeiros “couveiros” de cérebros da leitura. Muitas vezes, as preocupações dos pais com o desempenho leitor dos filhos são aparentemente pequenas. Todavia, procedem não poucas vezes. Alguns pais, decerto, exageram nas expectativas de seus filhos quanto à escrita ou à leitura, mas a desconfiança é ainda, para os pais, um bom indício do que, realmente, pode estar ocorrendo na formação lectoescritora do filho. Ser leitor ou escritor (sem uma conotação de ser um homem de mídia, artes ou letras) é tarefa escolar e os pais não podem abrir mão de cobrar da gestão escolar, isto é, governos, conselheiros educacionais, diretores, coordenadores e professores, a proficiência lectoescritora de seus filhos. A sociedade escolheu, entre as instituições sociais, a escola para trabalhar com os cérebros da leitura e da escrita de nossos filhos. Ocorre que muitas crianças, com dificuldades de lectoescrita, especialmente a falta de habilidade leitora, não chegam à compreensão significativa do assunto da obra. Os pais e os professores, doutra sorte, almejariam que seus filhos-leitores alcançassem, após a leitura de uma obra, pelo menos, à compreensão das palavras, das frases e do seu mecanismo de funcionamento. Alguns educandos, com formação escolar, tornam-se maus leitores, que não resistem a uma simples soletração cumulativa, alfabética, ou mesmo a dizer o significado literal, ao pé da letra, de uma palavra num ambiente textual. Um mau leitor, no ensino médio, pode ser gerado ou forjado no ensino fundamental. Tomemos, por ilustração, alguns alunos, com dificuldades específicas de lectoescrita, já no final do primeiro ciclo do ensino fundamental, fazem a troca dos grafemas simétricos (a escrita espelhada de b,p,d e q) ou de fonemas que têm o mesmo modo ou ponto de articulação, como t/d, f/v, b/p principalmente. O que fazer se a dificuldade dos educandos está na palavra, no signo gráfico e não no texto como um todo? Alguém que tenha dificuldade de compreender uma palavra terá alguma chance concreta de entender bem uma frase? Terá sido eficiente a educação infantil ou a classe de alfabetização, quanto ao desenvolvimento cognitivo e leitor da criança, na preparação para a leitura inicial ou intermediária? São questões que inquietam pais, professores e investigadores de problemas de linguagem. Muitos pais, sem uma resposta eficaz da escola, procuram, fora do ambiente escolar, profissionais como fonoaudiólogos, pediatras, neurologistas e psicopedagogos, na busca de superação do problema. Muitos profissionais, por seu turno, atuam, prontamente, na reeducação da linguagem verbal. Sugerem caminhos, entretanto, as dificuldades de lectoescrita são específicas da leitura e da escrita. Os que se aventuram a entender e a intervir, profissionalmente, na terapia das habilidades lingüísticas, devem conhecer sobremaneira aportes da teoria da aquisição, processamento e desenvolvimento da linguagem. Não é por acaso que, hoje, os profissionais de saúde (mais do que os professores) são os grandes leitores e autores de obras relacionadas com as patologias de linguagem. Há uma “medicina pedagógica” (pediatria, neurologia, psiquiatria etc) que já vem ocupando os vazios deixados pelos pedagogos tradicionais quando diante de situações em que as crianças não aprendem a escrever e a ler bem apesar de ter as condições objetivas oferecidas para uma formação eficaz. Com a ajuda desses profissionais da educação e reeducação lingüística, que se dedicam à terapia da linguagem, bem como ao diagnóstico e intervenção psicopedagógica, o problema da dislexia, disgrafia ou disortografia, tem sido aparentemente amenizado, compensado, mas não significa a superação definitiva dos distúrbios. Se estamos tratando de atrasos lingüísticos, de ordem psicolingüística, a solução está no processo de formação escolar, portanto, sua natureza é pedagógica, didática, passa por uma relação nova entre professor, aluno e escola.
3. Insucesso da escola no ensino lectoescritor
As famílias têm uma responsabilidade na matrícula e permanência de seus filhos nas escolas, mas é, no ambiente escolar, que devem ser asseguradas, realmente, as condições de aprendizagem. Os problemas de leitura e escrita deveriam ter resposta eficaz no meio escolar, num trabalho interdisciplinar, contando, é claro, com a ajuda externa de profissionais da psicologia, da fonoaudiologia e da Medicina (pediatria e neurologia). As soluções de problemas lingüísticos devem ser respondidos porque todos aqueles que atuam diretamente com a linguagem (todos os professores são professores de linguagem, em potencial), de modo a apresentar soluções sejam endógenas, de dentro pra fora da escola, sem perder de vista às especifidades do processo lectoescritor, que é, como disse, de origem pedagógica, que tem uma natureza didática, e, por isso mesmo, as soluções, definitivas ou temporárias, devem advir do próprio ambiente e dinâmica da escola. O professor, principal agente do processo reeducador, deveria ou deve ser o mais aplicado, o mais qualificado, nas questões referentes à pedagogia da lectoescrita. Sem um trabalho consistente da escola, as trocas de letras simétricas, por exemplo, tendem a persistir na fase adulta. Em alguns casos, claro, com menos freqüência. Outras vezes, uma síndrome que acompanhará a criança, o jovem e o adulto por toda sua vida. É necessário o trabalho de reeducação lingüística, isto é, formar a consciência lingüística, especialmente a fonológica, quer dizer, a consciência dos sons da fala. É papel da escola ensinar bem o sistema fonológico da língua, sua distribuição, sua classificação e sua variação. A escola precisa ensinar, desde cedo os conceitos lingüísticos, de vogal e consoante, ditongo, hiato, enfim, no ensino da língua materna. É esta consciência fonológica ou lingüística que fará com que a criança, ao escrever palavras com letras simétricas (p, b, p, q), pense e repense sobre o processo da escrita alfabética. Uma das conseqüências da falta de consciência fonológica é, na escrita formal, os alunos, “saltarem” grafemas, por exemplo: coisa, ela escreve coia/ glóbulo/gobulo. Quando trocas, omissões e substituições de fonemas/grafemas ocorrem no processo de formação lectoescrita, não temos dúvida de que a escola foi omissa ou negligenciou um ensino fonológico eficaz da língua materna.
4. Defeitos na aprendizagem da lectoescrita
Falar e escrever são duas habilidades complexas no âmbito das habilidades lingüísticas. Expressar-se verbalmente, oral ou escrito, é habilidade que não nasce com o ser humano. A escola é, no âmbito das instituições sociais, a escolhida pela sociedade para o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita, fala e escuta. A fala, porém, deveria ser, para a escola, a habilidade inicial, básica, ponto de partida, para um trabalho mais acurado na formação lingüística das crianças. A escola, todavia, tem tomado a fala espontânea, particularmente a que resulta da variação popular, como expressão errada, o que configura o chamado preconceito lingüístico. Os pais e educadores ou todos aqueles profissionais que operam com diagnóstico e intervenção psicolingüísticas devem ficar atentos para a idade de aquisição da linguagem. Além de um determinante constitucional, o acesso obrigatório da criança ao ensino fundamental, a partir dos 7 anos, atende, também, uma etapa importante para seu desenvolvimento cognitivo, suas competências e habilidades lingüísticas. A partir de 8 ou 9 anos de idade e, já no final do primeiro ciclo do ensino fundamental, é importante que os educandos estejam proficientes na escrita e na leitura inicial. A proficiência é um indicador importante do sucesso ou êxito escolar. Quando há dificuldade significativa e persistente na escrita ou na leitura inicial ou intermediária da criança, podemos dizer, de alguma maneira, que há fracasso escolar. Assim sendo, os familiares devem redobrar suas atenções à expressão oral ou escrita dos filhos, de modo a verificar, de logo, indícios de defeitos de aprendizagem de leitura e de escrita das crianças. Uma boa e recomendável iniciativa é a de família escolarizada começar pela articulação escorreita dos sons da fala (os fonemas) e a escrita alfabética (os grafemas ou as letras). As trocas, substituições e omissões de fonemas, na fala ou na leitura, refletem deficiência na aprendizagem lectoescritora. A troca de fonemas, como p/b, p/q, f/v, entre tantas unidades sonoras e distintivas do sistema consonantal do português, por exemplo, nessa fase, reflete, muitas vezes, uma deficiência de ordem lingüística (e não um déficit necessariamente neurolíngüístico), na formação lingüística inicial (alfabetização e letramento) da criança. Uma criança que troca fonemas na fala ou que faz confusão na correspondência entre grafema-fonema e fonema-grafema parece sugerir, para os educadores e lingüistas, que há uma deficiência na formação pedagógica. Daí, ser o método lectoescritor um dos objetos da chamada lingüística educacional ou pedagógica. Sabemos que muitas deficiências estão enraizadas na própria pedagogia. Muitos de nossos alfabetizadores, em que pesem os anos de experiência, o esforço exemplar, a dedicação ao magistério, têm deficiência de formação para o magistério escolar. Nas escolas, por vezes, ocorre a má instrução do ensino de leitura ou escrita. Pensemos, primeiramente, como uma ocorrência involuntária. Todavia, traz, ao longos dos anos de formação escolar, conseqüências sérias para o processo lectoescritor. Um professor (ou professora), de educação básica, que diz que vogal é letra ou que não sabe discriminar, numa palavra, a quantidade de fonemas e letras, decerto, não conseguirá ministrar um ensino sistemático, seguro e coerente. Seu aluno, com certeza, terá dificuldade de soletração ou prosódia de algumas palavras. Uma escola que ensina, por exemplo, termos, no sistema fonológico do português, apenas 5 vogais, está dando bases precárias, de ordem metalingüística, para a leitura, o que acaba por levar o educando à aquisição de uma dislexia pedagógica. Entendendo dislexia aqui como um termo estritamente lingüístico-pedagógico e não um transtorno à luz do psicólogo ou um déficit neurológico como quer um neurologista cognitivo. Sabemos que são 12 vogais. São 7 as vogais orais: /a/, /é/, /ê/, /i/, /ó/ /ô/ e /u/ e 5 nasais: /an/, /en/, /in/, /on/ e /un/. Vogais são os sons da fala. Vogais não são letras. Vogais são fonemas, isto é, unidades sonoras distintivas da palavra. Vogais têm a ver com a leitura. Sem esse entendimento, não como vislumbrar um ensino a favor da consciência metalingüística dos sons da fala. As letras, que representam as vogais ou sons da fala, têm uma estreita relação com a escrita. A decodificação, fase importante na leitura, anterior à compreensão leitora, requerer o reconhecimento das letras ou dos grafemas, das diversas manifestações gráficas dos grafemas no sistema escrito. Ler e escrever se complementam, mas não são habilidades que tem níveis homogêneos. Falar bem não é garantia de uma boa escritura. Escrever bem não garante uma boa leitura. Quem lê mais amplia seu conhecimento prévio na hora de redigir, mas, ambos, escrita e leitura, são processos que têm suas especificidades. Como disse, numa palavra: a escrita não é espelho da fala. Como se diz, como se fala, como se pronuncia o nome das pessoas ou objetos, não é, necessariamente, como se escreve. Não há uma correspondência biunívoca entre fonema ou som da fala com a escrita, com os grafemas. Nos casos em que crianças apresentam, insistentemente, a troca de letras, podemos supor, por exemplo, uma dificuldade por motivação fonológica. Uma informação lingüística ou metafonológica no processo de formação escolar faz diferença na habilidade lectoescritora da criança. Quem aprender a refletir a língua compreenderá melhor seus lapsos ou vícios de linguagem. A fonologia, parte da gramática, que trata dos fonemas, é de suma importância para a escrita e para a articulação de palavras. Vejamos, por exemplo, os fonemas /t/ e /d/ são consoantes linguodentais. Uma surda (/t). A outra sonora (/d/). Os pais devem estar atentos quanto à articulação desses fonemas. Devem, pois, começar por observar, atentamente, a fala espontânea, típica, de seus filhos. Perguntas como “o que ocorre, com a escrita, depois de um ditado?” ou “estão sendo bem articulados por seus filhos na fala espontânea ou na leitura de textos escolares?” devem fazer parte do centro de interesse pedagógico e preocupação familiar dos pais. Então, se não estão aprendendo bem a estrutura fônica da língua, que tal um trabalho com as cordas vocais, para que os percebam a diferença quanto à sonoridade ? É uma hipótese importante. Em geral, quando ocorre esse déficit fonológico, essa hipótese há de ser confirmada na pronúncia ou soletração de consoantes labiodentais, como: /f/ e /v/ e as labiodentais /p/ e/b/. Os pais, com ou sem formação superior, devem ter o hábito de abrir as gramáticas escolares que, infelizmente, trazem regras pouco claras. Ainda assim, as gramáticas trazem informações que podem esclarecer, por dedução, regras a partir das informações dos fatos ou fenômenos lingüísticos. Quem lê uma gramática sem se preocupar com a memorização de regras, e sim, comprometido em efetivamente compreendê-las, acaba tirando dividendos da matalinguagem gramatical: a explicação do código pelo código. É interessante que a classificação das categorias gramaticais ou a terminologia da teoria da linguagem, não poucas vezes, são motivadas, trazem uma herança grego-latina da linguagem se confundindo com o ser, com a coisa, como o fato gramatical. Um advérbio é um é uma categoria que modifica o verbo (o adjetivo e o próprio advérbio também) porque é um “ad verbio”, isto é, uma categoria gramatical que fica próxima ao verbo. Um advérbio morfossintaticamente é uma categoria que se combina na estrutura oracional com o verbo, complementa seu sentido em diversas circunstâncias (modo, companhia, negação etc). A gramática não ensina assim, mas a terminologia nos sugere esta educação lingüística pela palavra. A gramática não diz uma regra morfossintática simples assim como fizemos acima, como a do emprego do advérbio, sugerida, como ilustrei, na terminologia da própria palavra, mas uma releitura ou mesmo na “psicanálise de sua expressão”, de sua de sua terminologia histórica, herança dos antigos, descobre-se que a nomenclatura da gramática normativa, normalmente, é motivada, sugestiva, e assim, acabamos por chegar a uma conclusão da operação lingüística. A gramática ensina que “antes de P e B não se escreve N e sim M”, mas não explica nada. Prescreve regras. Entretanto, se repararmos bem: /b/, /p/ e /m/ são fonemas bilabiais. O fonema /n/ é linguodental. Por isso, devemos escrever M e não N. É, pois, uma regra fonológica. Portanto, uma boa explicação do fenômeno fonético, presente na regra gramatical acima, ensinada desde cedo no ensino fundamental, promove a consciência metafonológica da criança. Desse modo, os pais não devem ter qualquer cerimônia para abrir uma gramática ou um dicionário escolar na tarefa coadjuvante de ensinar a língua materna. Aos filhos, com dislexia escolar, pode um pai ou mãe (ou mesmo um irmão mais velho) abrir a Gramática, na parte relativa à fonologia, e ver o quadro das consoantes da língua portuguesa. As vogais, mais simples, são distribuídas em central (/a/), anteriores (/ê/, /é/, /i/) e posteriores (/ô/, /ô/ e /u/), sempre sugerindo uma explicação, uma descrição para o funcionamento dos fonemas no contexto da palavra. Por que dizemos, na leitura, /pedru/ se a palavra termina com a letra o? Lemos os fonemas. Escrevemos as letras. As letras apenas representam, na escrita, os sons da fala. A família observará , lendo as gramáticas escolares, como são classificados os fonemas quanto ao modo e ponto de articulação. Um exercício operatório com a articulação ou produção dos fonemas é de grande valor no ensino da lectoescrita. Senão vejamos: a) Deve, pois, a família, fazer sua educação ou reeducação lingüística. Articular cada fonema, vogal e consoante. Observar como o filho está pronunciando os fonemas. b) Em seguida, pedir para que o filho ou filha olhe o movimento de seus lábios quando articulam fonemas em algumas palavras do cotidiano (papai, bola, caderno, faca, tarefa etc). Quem aprende a olhar, a observar, aprende a teorizar. A palavra teoria, de origem grega, quer dizer, ao pé da letra, “aquilo que vem do olhar”. Quem olha aprende a pensar. Quem pensa a língua, quando fala, lê, escuta ou escreve, é capaz de fazer reflexão metalingüística. c) Pedir também que imitem sua articulação dos sons das fala é um modo antigo, tradicional, mas interessante de aprender. Há um ditado latino que diz: a repetitio studiorum mater est (A repetição é mãe do conhecimento). A repetição acaba por levá-los, assim, à consciência dos fonemas. Um pai ou uma mãe que assim se disponha a ensinar, mesmo não sendo um(a)pedagogo(a) ou lingüista de formação, poderá, com esse procedimento, ajudar na formação leitora de seus filhos. As famílias têm, pois, um importante papel na formação escolar de seus filhos.
5. Ensino da história da língua materna
Na condição de pais ou educadores, sempre desconfiemos do que pode estar ocorrendo na formação escolar dos filhos. Às vezes, a escola deixa de dizer, por negligência ou incompetência, que as letras do alfabeto surgiram, a 3.000 anos, antes de Cristo. O “a” ou o “A”, minúsculo ou maiúsculo, foram inspirados na “cabeça de um boi”; a letra “b” foi inspirada, por sua vez, numa “casa mediterrânea de teto achatado” e que o “p” foi motivado, em seu traçado, por “uma boca” e assim por diante. A escola precisa desenvolver essa competência lingüística. Na verdade, quis dizer até aqui o seguinte: a escola precisa devolver à criança a competência lingüística e metalingüística, para que cumpra (a escola) o papel de desenvolver a capacidade do educando de ler para aprender, de escrever para aprender, de aprender a aprender. Revelar que a língua é histórica, que seu alfabeto tem origem grega, tem influência hebraica, tem marcas dos signos semíticos e traz também as marcas pictográficas de hieróglifos egípcios, é de extrema importância para o reconhecimento das letras, para decodificação, primeira etapa da leitura proficiente. A história das letras do alfabeto devem fundamentar as aulas de língua materna na educação infantil e no ensino fundamental. Assim procedendo, cedo o professor ou pai desconfiará ou desconfiarão, quando do processo escritor da criança, que um erro na caligrafia pode ser motivado por questão de lateralidade nos traços das letras. A desconfiança docente ou dos pais servirá como boa hipótese significativa para uma pedagogia compensatória no quadro da deficiência lingüística. Refiro-me a uma pedagogia de ensinar coisas simples. Ensinar bem é ensinar com simplicidade, com objetividade. Aliás, a ciência da linguagem, a lingüística, se caracteriza pela explicação e descrição claras dos fenômenos da linguagem. Vejamos, por exemplo, “p” e “b” como são letras parecidas. Quando a perninha desce é um “p” , mas quando sobe é um “b”. Subir e descer. Descer e subir. Espaço. Lateralidade. Fácil para os adultos. Grande complexidade lingüística para as crianças na educação infantil e no ensino fundamental. Uma letra (ou grafema) parecida com um outro signo gráfico, mas com traçado diferente, pode representar, na leitura, um som diferente e, conseqüentemente, trará significado diferente na produção lexical, frasal e textual. Fácil, não? Os professores estudaram os fatos da língua. Sabem disso informações da aquisição, desenvolvimento e processamento da linguagem. Mas uma criança aos 9 anos pode não armazenar as informações lingüísticas de forma eficiente. Quando não se aprende a grafar bem pode ser uma deficiência de percepção espacial, de lateralidade. Pode ser, pois, uma deficiência cognitiva.
6. Desenvolvimento da capacidade de aprender
É preciso que a escola ensine aos educandos, especialmente os da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio), como se dá, realmente, o processo de aquisição do conhecimento da linguagem. As crianças, desde cedo, precisam entender como se processa, no cérebro das pessoas, o armazenamento, por longo prazo, das informações lingüísticas, imprescindíveis para a fala, a escrita, a leitura e a escuta. Tal ensinança servirá não só para o ensino da língua materna como também para as demais disciplinas escolares. Um cálculo como 34 x 76 tem muito a ensinar além do seu produto final. Alguns professores de matemática ou língua materna se concentram no resultado da instrução ou resolução da questão, no produto, enfim, e se esqueçam de que o processo é a base mais legítima para uma avaliação formativa, em que se valoriza cada etapa trabalhada e vencida pelo aluno. A avaliação formativa valoriza todos as partes do todo e se volta para aprendizagem ou o reaprender da criança. A avaliação somativa, ao contrário, julga o todo por uma parte, por uma parcial no processo de formação, unicamente com a preocupação de julgar. Quando pensamos em lectoescrita, uma operação elementar de multiplicação, por exemplo, chega a ser reveladora do processo cognitivo a que as crianças estão submetidas na hora de operar cálculos na mente e no papel (este, uma espécie de prolongamento da memória operativa), posto que esta operação elementar se efetiva no cálculo da soma de n parcelas iguais a um número m. A Matemática e a Escrita estão bem próximas nesse ponto, isto é, ambas, têm uma natureza processual e cognitiva. Pois bem, teríamos os seguintes procedimentos no caso da multiplicação: a) Distribuição espacial, em diagrama, dos fatores que participam da operação matemática, isto é, 34 e 76.; b) Efetuamos, no segundo momento, a operação entre multiplicador x multiplicando. Observar-se-á nesse caso que o multiplicador é o fator que indica quantas vezes se há de tomar o outro para efetuá-lo. O Multiplicando é o número que se há de tomar tantas vezes quantas são as unidades do multiplicador. c) Por fim, chegaremos ao produto, isto é, o resultado da operação, da “produção” do cálculo. A dialética, como fundamento da metodologia processual no ensino-aprendizagem das habilidades lingüísticas e matemáticas, está presente, portanto, na matemática elementar ou na produção de texto, discursivo ou dissertativo. Um texto, à guisa de uma operação elementar de multiplicação, é um processo constituído também de fases: a) Introdução, b) desenvolvimento e c) conclusão. Uma operação de multiplicação de 34 X 76 poderia introduzir uma aula de produção escrita em que se vai se ensinar e descrever, por analogia, a estrutura básica e processual de um texto. Como disse acima, se a escola tem em vista à avaliação, o método processual, na matemática, na leitura, na escrita ou em qualquer outra disciplina , há de ser instrumento salutar para professores e alunos. No momento da avaliação, a idéia de processo volta a ser o centro da atenção docente. A avaliação formativa tem como pressuposto o processo, o reconhecimento de que os meios são importantes para os fins últimos da aprendizagem. As crianças precisam aprender e apreender essas informações da linguagem, da leitura, da escrita e do cálculo, com clareza e de forma prazerosa, lúdica. Quem sabe, ensina. Quem ensina, deve saber os conteúdos a serem repassados, gradualmente , para o aluno. A escola precisa levar as crianças ao reino da contemplação do conhecimento. Vale o inverso: a escola deve levar o reino do saber às crianças. As crianças são os regentes do reino do saber. Nas ruas, as crianças não aprenderão informações metalingüísticas como os conceitos de língua, fala, vogal, semivogal, dígrafo etc. Farão, claro, hipóteses metalingüísticas sobre os fenômenos fonéticos, as ocorrências fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas, extraídas, quase sempre da fala ou da escuta espontâneas. Uma criança aprende na rua uma expressão “eu tô maluco”, mas só a escola é capaz de advertir que, na língua culta, a forma ideal, de uma sociedade letrada, burguesa, é “ eu estou maluco”, mas relativa que a língua, por sua natureza social, sofre muitas alterações na sua forma e substância no tempo e no espaço. Por isso, a escola pode dizer que a língua histórica , por uma série de transformações lingüísticas (metaplasmos) e estruturais, em decorrência da dinâmica social e variações diatópica (geográfica) e diastrática (social) próprias dos idiomas ditos modernos, transformou uma forma verbal consagrada, pelas gramáticas eruditas, como “estou”, em “tou” na língua popular e aqui, nesse reino da língua espontânea, um ditongo em “tou” passou a monotongo em “tô”. Aprender o funcionamento da língua é muito interessante. É na escola, com bons professores, que as crianças aprenderão que informações da metalinguagem da língua materna lhes darão as competências e habilidades requeridas para a leitura e para a sociedade do conhecimento, dentro e fora da escola. Nos lares, a tarefa de reforço do que se aprende na escola se constitui um complemento importante, desde que os pais se sintam parte do processo. Aliás, a educação escolar, de qualidade, comprometida com um ensino produtivo, é um dever do Estado e das instituições de ensino, públicas ou privadas. Doutra maneira, a educação lingüística, do escrever para aprender, do ler para aprender, é dever, também, repartido e compartilhado por familiares e instituições educacionais e uma co-esponsabilidade social dos que operam com os saberes sistemáticos, que se voltam para o desenvolvimento humano, para a qualificação para o trabalho e para o exercício da cidadania. Quando nos referimos ao conhecimento, a família e a sociedade, como um todo, devem engajar-se na tarefa de garantir o acesso ao ensino de qualidade a todos que desejam conhecer e aprender saberes acumulados historicamente pela humanidade e favorecer a educação lingüística do seu povo.
7. Bibliografia:
1. CAMPS, Anna, RIBAS, Teresa. La evoluación del aprendizaje de la composición escrita em situación escolar. Madrid: CIDE/MECD, 2000. 2. DOCKRELL, Julie, MCSHANE, John. Crianças com dificuldades de aprendizagem: uma abordagem cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. 3. ELLIS, Andrew W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. Tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, l995. 4. FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2a. edição revista e aumentada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 5. GARCÍA, Jesus Nicasio. Manual de dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, l998. 6. GATÉ, Jean-Pierre. Educar para o sentido da escrita. Tradução de Maria Elena Ortega Ortiz Assumpção. SP: EDUSC/COMPED/INEP, 2001. 7. GERBER, Adele. Problemas de aprendizagem relacionados à linguagem: sua natureza e tratamento. Tradução de Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 8. MASSINI-CAGLIARI, Gladis, CAGLIARI, Luis Carlos. Diante das letras: a escrita na alfabetização. Campinas, SP: Mercado de Letras/ALB/FAPESP, 1999. 9. PÉREZ, Francisco Carvaja, GARCIA, Joaquín Ramos. Ensinar ou aprender a ler e a escrever? Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.10. SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. Produção de Maria Augusta Bastos de Mattos. 4ª EDIÇÃO. SP: Globo, l99l.11. TEBEROSKY, Ana. Psicopedagogia da linguagem escrita. Tradução de Beatriz Cardoso. 8a. edição. Campinas, SP: UNICAMP/Vozes, 1996.
Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA),de Sobral, Ceará, Brasil.E-mail:
vicente.martins@uol.com.br

COMO AS CRIANÇAS ENTRAM NO MUNDO DA LINGUAGEM






Vicente Martins

Estudos mais recentes sobre os processos lingüísticos e psicolingüísticos envolvidos nos processos de aquisição da linguagem das crianças, no período escolar, apontam o reconhecimento das palavras escritas como o passaporte das crianças para o ingresso no mundo da leitura. Aquelas crianças que reconhecem uma palavra escrita diante um texto é capaz de desenvolver uma competência discursiva, imprescindível para uma boa educação leitora e mais ainda para conviver com os outros na sociedade do conhecimento.

Ensinar os alunos a reconhecerem as palavras escrita nos livros, nos muros, nas placas, nos ônibus, nos sites é, sem dúvida, a principal missão educacional dos professores de língua materna e da escola de educação básica, isto é, o de formar leitores hábeis durante o processo de formação escolar.

O reconhecimento da linguagem escrita não é, porém, herança genética nem dádiva dos céus. As crianças necessitam de técnicas ou estratégias de reconhecimento das palavras para a leitura proficiente. O reconhecimento da palavra envolve, substancialmente, domínio dos elementos fonéticos e estruturais das palavras, regras de acentuação, silabação e aquisição de um amplo vocabulário visual. São nas ambiências escolares, com o ensino sistemático da língua materna dos professores e o apoio dos pais, que, fundamentalmente, levam as crianças a aprenderem e reaprenderem o reconhecimento da linguagem no mundo da leitura e da escrita.

Sem reconhecimento da palavra escrita, não é possível o desenvolvimento da capacidade de aprender, soletrar, decodificar e compreender um texto escrito. Por definição, reconhecimento da palavra é o processo de determinar a pronúncia e algum grau de significado de uma palavra na forma escrita ou impressa. Também podemos definir o reconhecimento da palavra como a identificação rápida e fácil da forma, da pronúncia e do significado apropriado de uma palavra encontrada anteriormente em texto escrito ou impresso. É o reconhecimento da palavra que aproxima o mundo da escrita do mundo da leitura, a palavra escrita da palavra falada, e faz com que a leitura de um texto escrito aprimore, por sua vez, o desempenho lingüístico das crianças na escola, desde a educação infantil à educação básica.
Para o reconhecimento da palavra escrita, são necessárias as seguintes habilidades lingüísticas:

(1) Percepção da palavra
(2) Identificação da palavra
(3) Discriminação da palavra


A percepção das palavras escritas

O processo de reconhecimento da palavra requer do leitor a percepção da palavra. Em que consiste a percepção da palavra? Consiste na identificação visual ou auditiva de uma palavra e algum grau de significado.

Graças à percepção da palavra, o leitor tem o conhecimento do significado apropriado de uma palavra após sua identificação ou reconhecimento. A percepção das palavras dependerá, todavia, dos significados que estão presentes na identificação e no reconhecimento das palavras.

O lingüista Ferdinand de Saussure, no início do século XX, viu nas palavras mais do que “ unidades da língua escrita, situada entre dois espaços em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação” ou “unidades pertencentes a uma das grandes classes gramaticais, como substantivo, verbo, adjetivo, advérbio, numeral etc., não levando em conta as modificações que nela ocorrem nas línguas flexionais, e sim, somente, o significado” (visão gramatical). As palavras vão além das categorias gramaticais, especialmente os nomes, substantivos, adjetivos e advérbios.

Para Saussure, as palavras eram (e são) signos lingüísticos, isto é, são unidades lingüísticas constituídas, socialmente, pela união de um conceito, ou significado, e de uma imagem acústica, ou significante, geralmente, através de uma relação arbitrária, pela qual não existe uma semelhança formal entre o significante e o significado.

O estruturalismo saussuriano entendeu por significante “imagem acústica que é associada a um significado numa língua, para formar o signo lingüístico .Segundo o Mestre de Genebra, essa imagem acústica não é o som material, ou seja, a palavra falada, mas sim a impressão psíquica desse som. Com esta compreensão do significante, nascia as bases da psicolingüística, ramo da Lingüística que estuda a relação mútua entre o comportamento lingüístico das pessoas e os processos psicológicos que se encontram, supostamente, por trás deste comportamento. .

O lingüísta franco-suiço entendeu que as palavras tinham, do ponto de perceptual, um significante, uma imagem acústica, entendida como sendo uma “face material, sensível do signo lingüístico (significante) ligada ao significado”. Para se entender bem este conceito, bastar-nos –á lembrar de palavras que quando ditas ou ouvidas nos sugerem nojo, repulsa, revolta ou tristeza. Uma palavra ou frase de efeito pode levar alguém a lágrimas de alegria ou de tristeza.

Por outro lado, viu Saussure, no signo lingüístico, um significado, definido como “conteúdo semântico de um signo lingüístico; acepção, sentido, significação, conceito, noção” ou, como assinalariam, mais tarde, os lingüistas contemporâneos,o significado é a ”a face do signo lingüístico que corresponde ao conceito ou conteúdo”.

A rigor, só podemos dizer que o leitor faz a percepção da palavra quando é capaz de encontrar certo grau ou matiz de significado na palavra, daí entendermos que o significado é central no processo leitura muito mais do que uma simples soletração ou decodificação leitora. È através do significado que o leitor poderá compreender, através das palavras do texto, o sentido possível, viável e atribuído ao texto pelo autor. É pelo significado que o leitor constrói o sentido do texto.

A percepção da palavra, através da identificação do significado lingüístico, permite o alcance do significado da palavra e ao sentido do texto, na verdade, aos sentidos textuais. Pelo menos, duas formas de significado podem ser decantadas através da percepção da palavra: (1) significado gramatical: noção semântica que está contida nos morfemas gramaticais de uma língua e que é estabelecida dentro de um determinado sistema lingüístico e dele dependente e (2) significado lexical, recorte que a semântica de uma língua faz na realidade físico-bio-social e que constitui o conteúdo dos morfemas lexicais (raízes, semantemas, radicais etc., de substantivos, adjetivos, verbos e advérbios.

Durante a leitura, se o leitor percebe que uma palavra traz um significado gramatical e lexical terá as bases para a compreensão literal do texto e partir dessa competência poderá inferir, ou seja, atribuir sentido ao texto lido, portanto, interpretá-lo.Encontrar sentido, antes, durante e depois da leitura, é na verdade, desenvolver a faculdade de sentir ou perceber, de compreender e de julgar o texto. À luz da filosofia, diríamos que é o sentido que nos permite captar uma determinada classe ou grupo de sensações, estabelecendo um contato intuitivo e imediato com a realidade, e assentando desta maneira os fundamentos empíricos do processo cognitivo. A leitura é um ato cognitivo. Mais do que um ato de produção de linguagem, sua complexidade a torna uma habilidade plenamente cognitiva.

Pensando no compreensão literal, durante o processo de leitura, o sentido atribuído a um texto, no primeiro momento, expressa-se como “ aquilo que uma palavra ou frase podem significar num contexto determinado”. Em se tratando de procedimentos de leitura, poderemos falar em compreensão literal e compreensão inferencial.

A compreensão inferencial vai além do literal. Enquanto a compreensão literal possibilita a localização de informações explícitas no sentido, graças ao sentido que poderemos fazer inferência, de modo a permitir, por exemplo, a identificação de informação implícita, uma vez que identifica o tema e distingue fato de opinião relacionada a esse fato.

A identificação das palavras escritas

A identificação da palavra escrita é o processo de determinar a pronúncia e algum grau de significado de uma palavra desconhecida.

As habilidades de identificação da palavra comumente ensinadas são as seguintes:

v análise fônica
v análise estrutural
v habilidades no uso de dicionários
v indícios de configuração
v indícios de ilustração
v indícios do contexto

A análise fônica na identificação da palavra


No processo ensino-aprendizagem da leitura, a identificação das palavras ocorre a partir dos sons da fala. O processo de análise fônica envolve a associação de sons da fala com letras e a combinação desses sons em sílabas e palavras. Na leitura inicial ou na chamada decodificação leitora, os leitores disléxicos, por exemplo, deixam de desenvolver, com proficiência, a habilidade de análise fônica.

Em seu livro Leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento (Artes Médicas, 1987), Mabel Condemarín e Felipe Alliende afirmam que o aperfeiçoamento das habilidades envolvidas na análise fônica ajuda a criança a obter a adequada pronúncia das palavras.

É através da análise fônica, segundo Mabel Condemarín e Felipe Alliend (1987, p.99) que a criança passa a dominar, progressivamente, a ortografia de sua língua materna e envolve, assim, habilidades para a rápida decodificação de palavras que contenham:


· Consoantes de duplo fonema:c, g;
· Consoantes de duplo grafema (dígrafos): ch, lh, nh;
· Consoantes seguidas de U mudo, como: gue, gui, que, qui
· Consoantes seguidas de ü, como: güe, güi, qüe, qüi
· Ditongos e encontros vocálicos;
· Encontros consonatais complexos, como: obs, obv, str
· Grupos consonantais, como: br, dr, tr, fl,m bl e outros

A análise estrutural da palavra

A teoria da linguagem em muito pode contribuir para o desempenho leitor em se tratando de identificação da palavra. É o caso da estrutura e formação das palavras aqui, simplesmente, chamada de análise estrutural. Se de um lado, a pronúncia escorreita dos fonemas e a consciência fonológica ajudam na decodificação leitora, isto é, na soletração da palavra, diríamos que os morfemas são fundamentais para a identificação das palavras escritas. Que são morfemas? Morfemas são, lingüisticamente, as menores unidades lingüísticas que possuem significado, abarcando raízes e afixos, formas livres (p.ex.: mar) e formas presas (p.ex.: sapat-, -o-, -s) e vocábulos gramaticais (preposições, conjunções)

Para o estruturalismo norte-americano, o morfema pode ter, ainda, outras manifestações, como a ordem das palavras na frase, indicando as funções sintáticas dos constituintes, ou a entonação sozinha, que pode mudar o sentido de um enunciado: Você vai. Você vai?

Eis os principais tipos de morfemas relacionados com a linguagem escrita e decantados durante o processo leitor:

v Morfema derivacional: trata-se de um afixo que cria um novo vocábulo, combinando-se com um radical (p.ex., -eir, -o em livreiro); afixo derivacional
v Morfema flexional: o que é empregado na flexão dos substantivos, dos adjetivos ou verbos, sem mudar a classe da palavra (p.ex., o -s do plural em irmãs); afixo flexional
v Morfema gramatical: um tipo de afixo que se acrescenta aos radicais dos nomes e verbos para expressar noções gramaticais de número, gênero, caso, pessoa, tempo, modo etc., ou vocábulo da gramática como, p.ex., preposições, artigos e partículas, que criam relações gramaticais na frase.
v Morfema lexical: cada unidade, indecomponível em unidades menores, pertencente ao inventário ilimitado e aberto do léxico [Aqui se incluem aquelas que ocorrem independentemente e as que só ocorrem combinadas com outros morfemas (derivacionais ou gramaticais), formando palavras.]

Durante a leitura, os bons e maus leitores, inclusive os que apresentam dificuldades no aprendizado da leitura (dislexia), para a identificação das palavras escritas, terão que identificar os elementos do significado das palavras, como re e ler na palavra reler.

A análise estrutural é poderoso auxiliar no entendimento do significado de uma palavra como um todo.

A análise estrutural (vem da noção de estrutura da língua ou das palavras) ou análise morfêmica (vem de morfema), em geral, envolve a identificação de:

v Afixos: infelizmente, onde in- é prefixo; feliz, raiz e –mente, sufixo.
v Contrações ou aglutinações: fidalgo (filho de algo)
v terminações flexionadas e derivadas (desinências): casas, casas, casinhas
v Formas com hífen: pé-de-moleque
v Palavras compostas: guarda-roupa ou girassol(sem hífen)
v Raízes: cabeleira vem de cabel-o
v Silabação: depósito (substantivo) X deposito(verbo)

A análise estrutural é usada como um recurso para a pronúncia ou leitura em voz alta ou, em combinação com a análise fônica, em programas de análise das palavras nos chamados métodos fônicos de leitura, o mais indicado para os casos de dislexia fonológica, isto é, nos casos em que os disléxicos apresentam dificuldade no reconhecimento de palavras e na correspondência de letras em sons da fala (fonemas).

Os indícios de contextos da palavra

No processo de leitura, o indício do contexto permite que os leitores tenham uma informação do cenário textual imediato que ajuda a identificar uma palavra ou grupo de palavras, como por meio de palavras, frases, sentenças, ilustrações, sintaxe, tipografia.

Os indícios de configuração da palavra

Nas práticas de leitura, particularmente nos anos iniciais do ensino fundamental (1º a 5º ano, ou a partir dos seis anos), o indício de configuração é uma forma ou contorno que auxilia na identificação da palavra. Em especial, o padrão que as letras fazem acima e abaixo do corpo principal da palavra, como em feliz, geléia, general, leitura. Graças a essa habilidade é que podemos distinguir os diversos tipos de letras na escrita:

· letra ascendente: letra cuja haste preenche o ombro superior do tipo, como o d, l
· letra caligráfica: letra manuscrita, grafada com elegância e harmonia, segundo certos padrões de estilo ou de beleza e excelência artística letra capital ou capitular: letra grande, em geral ornamentada, com que se inicia um capítulo
· letra de forma (ô): a letra impressa; letra de imprensa, letra redonda
· letra de médico: letra ruim, pouco legível letra descendente: aquela que ultrapassa a parte inferior da linha do tipo, como g
· letra garrafal: caráter muito grande e legível
· letra maiúscula: letra de tamanho maior e formato próprio, cuja fonética é a mesma de sua correspondente minúscula, sendo geralmente, us. em início de períodos e de nomes próprios e como fator de destaque de certas palavras; letra capital, letra capitular, versal
· letra média: aquela que nem é ascendente, nem descendente, como a, c, m, r etc.; letra curta
· letra minúscula: letra de tamanho menor em relação a sua correspondente maiúscula e de formato próprio, mais apropriado para os textos em geral [É mais us. do que a maiúscula, exceto no início de período e de nome próprio.]

O uso de dicionários

Na identificação das palavras, o uso de dicionários se faz necessário à medida que desenvolve, no leitor, habilidades cognitivas relacionadas com a linguagem, como identificar uma palavra em um dicionário, na ordem alfabética, em série, respeitando a lógica da família lexical, que são necessárias para muitos exercícios ou atividades melingüísticas no aprendizado da leitura e da escrita.

Discriminação das palavras escritas

A discriminação das palavras pode ser definida como o processo de notar diferenças em palavras, especialmente em seus contornos visuais ou formais visuais em geral. Para que isso, seja possível, os leitores proficientes e menos os leitores disléxicos, devem notas semelhanças e diferenças nas formas ou formatações das palavras escritas.

Ao certo a discriminação visual, entendida como o processo de perceber semelhanças e diferenças em estímulos por meio da visão, especialmente de textos. Sem esta capacidade as crianças, especialmente as disléxicas, trocam grafemas (letras) simétricas como

p, b, q,d

Durante o ensino sistemático da caligrafia, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, os professores devem levar em conta que a habilidade caligráfica está muito relacionada com a destreza e o automatismo das crianças em desenhar algumas formas básicas e geométricas. Vejamos o quadro a seguir q relação entre forma geométrica e signo alfabético:

Quem é capaz, na educação infantil, de copiar ou desenhar as seguintes figuras:
Desenvolverá, nos anos iniciais do ensino fundamental, a habilidade grafar as seguintes letras minúsculas e maiúsculas do alfabeto
UM CÍRCULO
(aos 3 anos de idade)

a b c d e g o p q u h
m n s
B C G O P Q U D S

UMA CRUZ (aos 4 anos de idade)


v x z t

T X Z

UM QUADRADO (aos 5 anos de idade)

t f z i j l r

A E F H I L M N P R

UM TRIÂNGULO (aos 5 anos e 6 meses de idade)
v x z

A V X Z

UM LOSANGO (aos 6 anos de idade, quando ingressa no ensino fundamental)

v x z

V X Z N N H I J L



Por isso, um aspecto psicopedagógico desta capacidade de processamento é o de adquirir sensibilidade aos traços distintivos de materiais impressos comuns, como as letras, palavras e frases. Segundo Theodore L. Herris e Richar E. Hodges, em seu Dicionário de Alfabetização: vocabulário de leitura e escrita (Artes Médicas,1999, p.84), não desenvolvem a habilidade de discriminação visuais deixarão não farão o processamento mais rápido e acurado dos textos escritos.



Sugestões de leitura

1. COLOMER, Teresa, CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.
2. CONDEMARÍN, Mabel, ALLIENDE, Felipe. Leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto Alegre: Artemed, 1987.
3. CONDEMARÍN, Mabel, MEDINA, Alejandra. Avaliação autêntica: um meio para melhorar as competências em linguagem e comunicação. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005.
4. ELLIS, Andrew W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. 2ª ed. Tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: Artmed, 1995.
5. GRÉGOIRE, Jacques, PIÉRART, Bernadette. Avaliação dos problemas de leitura: os novos modelos teóricos e suas implicações diagnósticas. Tradução de Marian Regina Borges Osório. Porto Alegre: Artmed, 1997.
6. GUIMARÃES, Sandra Regina Kirchner. Aprendizagem da leitura e da escrita: o papel das habilidades metalingüísticas. São Paulo: Vetor, 2005.
7. KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.(Coleção Texto e Linguagem).
8. KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria & prática. Campinas, SP: Pontes, 2001.
9. MARTINS, Vicente. O método fônico na alfabetização de crianças. In CLEBSCH, Júlio. Educação 2008: as mais importantes tendências na visão dos mais importantes educadores. Curitiba: Multiverso, 2008.
10. SMITH, Frank. Leitura significativa. 3ª Ed.Tradução de Beatriz Affonso Neves.Porto Alegre: Artmed, 1999.

Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará. E-mail:vicente.martins@uol.com.br

COMO ENSINAR ORTOGRAFIA SEM PALMATÓRIA






Vicente Martins

Neste artigo, pretendo, a partir de um relato de um tio sobre a disortografia de um sobrinho e as grosserias que o mesmo sofre por conta dos seus constantes erros de grafia, apresentar algumas dicas lingüísticas e psicolingüísticas para a intervenção em casos de crianças que apresentam dificuldades específicas de ortografia. Quando ensinamos ortografia com fundamentação lingüística e pedagógica, não há lugar para palmatória, para castigo ou violência escolar.
No relato, o tio, que é educador, diz o seguinte: “Tenho um sobrinho de nove anos e não agüento mais ver o garoto apanhar todos os dias por escrever errado sendo a criança inteligente e criativa”. E prossegue: “ O que acontece com esta criança é quando ao copiar um texto ele esquece acentos e troca algumas palavras, a mãe sem paciência bate muito no menino e por muitas vezes faz o garoto copiar textos e textos mas não adianta”. E me faz um apelo “ Seria muito grato se o Sr. me respondesse para que de alguma forma eu orientasse a sua mãe de uma forma teórica e prática para podermos sanar ou amenizar o sofrimento deste garoto”.
Comecemos, então, pelo fim, isto é, encarando a ortografia no meio escolar numa perspectiva cognitiva e neurológica. A ortografia, já disse em outros artigos, é a capacidade de o aluno recordar palavras corretas ou formas lingüísticas socialmente aceitas. Quando a criança erra, na verdade, erra quanto à ortografia, desviando-se do modelo estabelecido pela gramática escolar ou pela comunidade lingüística em ascensão social. A ortografia está, pois, associada à questão de variação lingüística, às formas de determinada classe social e, como sabemos, a escrita escorreita, é uma forma particular de escrita da classe dominante, emergente cultural e economicamente.
Quanto à pisa ou castigo como estratégia de ensino, conforme relata o tio, não só tem um caráter medieval, como pedagogicamente, deve ser descartada do ensino da língua materna. O ensino com palmatória além de não ser realmente eficaz, só maltrata, interdita o corpo, inibe o aprendizado da língua e não tem nada de pedagógico ou de amor familial.
Voltemos à questão das alterações ortográficas. Quando as crianças erram ou nós, em fase adulta, erramos, isso, a rigor, não é um “erro” contra a grafia, porque tal grafia, na nossa variação escrita e pessoal, é uma possibilidade real, uma hipótese possível, a que postularia aqui como uma espécie de homonímia enviesada da língua escrita.
Dizendo de outro modo: uando escrevo “caza” em vez de casa, “pretensão” por pretensão, “exceção” por exceção e assim por diante, se notarmos bem, a escrita desviada do padrão gramatical não vai gerar ou acarretar, a partir da escrita ortográfica produzida pelo usuário da língua, uma pronúncia ou produção de fonemas diferentes, uma vez que as letras e grafemas (acentos gráficos, por exemplo) que representam os fonemas ou sons da fala, nos casos acima, reproduzem fielmente a maneira como articularíamos a palavra na forma ortográfica correta no nosso dialeto. Quando a grafia errada se distancia do que produziríamos na fala, isso ocorre porque o falante, no uso individual da língua, isto é, na sua expressão oral, já produz uma fala defeituosa e, apenas, na escrita, transfere a sua disortografia (dificuldade de ortografar).
Retomando à queixa do tio, e relendo seu relato enviado para minha apreciação docente, não descartaríamos, de logo, que a criança apresenta déficit de memória, acarretando, assim, dificuldade de cópia e na grafia das palavras. A escola tem levado muito em conta que sem memória não há aprendizagem e que a aprendizagem eficaz vem da e é assegura pela memória de longo prazo.
O fato de a criança não escrever ou transcrever corretamente da lousa para seu caderno acentos gráficos ou sinais de nasalização, também, tal desvio ou omissão indica outras dificuldades lingüísticas, não apenas na grafia de palavras mas no uso ou emprego dos sinais diacríticos (til, cedilha, agudo, circunflexo, hífen etc) que representam os elementos fonéticos da língua, e mais do que isso, tal esquecimento ou lapso pode ser um índice de dificuldade específica de leitura. Há uma relação muito estreita entre dificuldade de leitura e dificuldade de ortografia, entre dislexia e disortografia. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, é a ortografia que mais ajuda na leitura.
Outro ponto a assinalar, a partir do relato do tio, é o seguinte: em geral, crianças com déficit de memória ou deficiente léxico ortográfico têm dificuldade de fazer a correspondência entre grafemas (letras, sinais diacríticos) e fonemas (vogais, consoantes e semivogais). Seja como for, por trás das dificuldades específicas de escrita ortográfica está a falta de consciência fonológica, isto é, o desconhecimento do princípio alfabético regente na relação entre grafemas-fonemas, ou de escrita-fala.
Vejam bem o que até aqui estou postulando sobre as alterações ortográficas: se a criança não apresenta déficit visual, ou seja, se sua acuidade visual é boa, não tem retardo ou comprometimento neurológico ou mesmo privação cultural ou escolar, então, por exclusão, podemos levantar a hipótese de déficit de memória associada à disortografia (má ortografia).
São muitos os exercícios compensatórios para amenizar ou mesmo superar as dificuldades ortográficas por determinantes pedagógicos ou dispedagógicos. Claro, no presente artigo, seria impraticável um exemplário exaustivo, de modo que vamos nos limitar aqui a algumas dicas didáticas em sala de aula regular: quando seu filho, sobrinho ou aluno, escrever uma palavra errada, peça-lhe que se sente à mesa ou à carteira, abra o dicionário e procure (inicialmente com sua ajuda, professor ou pais) a palavra da forma como a escreveu. Claro, como está errada não irá encontrar a palavra na forma com a grafou. Em seguida, peça-lhe que capture a palavra e quando encontrá-la a copie da forma como a encontrou no dicionário, ou seja, corretamente, observando em que parte fez permuta ou omitiu letras ou signos diacríticos e mais, solicite a criança que copie também todas as palavras- irmãs (nós chamamos essas palavras de cognatas, isto é, que têm a mesma raiz ou significado literal) da palavra que apresentou dificuldade em grafar corretamente.
Um novo pedido à criança será o de transcrever a série de palavras cognatas, em coluna, da mesma forma e seqüência que aparece no dicionário. Pode o professor, educador ou pai, sugerir, por exemplo, para melhor fixação da memória do educando, que utilize cores diferentes (o azul e o vermelho) para sublinhar a palavra (vermelho) e transcrever, em azul, sua definição ou significado literal. Se o educador quiser tornar ainda mais eficiente essa pesquisa ortográfica, deve sugerir que o aluno faça a divisão silábica da palavra coletada no dicionário.
Dessa maneira, indo ao dicionário para capturar a grafia correta, vai o aluno fortalecer seu léxico ortográfico e semântico. Copiar uma lista ou série de palavras ajuda, e muito, a criança a estocar a forma correta. Guardamos, enfim, na memória ortográfica, tudo que é organizado. Daí, a importância do dicionário, uma memória cultural a e histórica da civilização.
Lapsogramas - Na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, onde criei, em 2005, a disciplina “Dificuldades em Ortografia”, no Curso de Letras, somente para estudar as dificuldades específicas em ortografia, tenho adotado o termo lapsogramas para as alterações ortográficas dos alunos (o neologismo é dos lingüistas cubanos). O que denominamos erros ortográficos muitas vezes não passam de lapsos de representação fonêmica ou lapsos de língua como diria Freud.
Entre diversas propostas de atividades didáticas com fins de intervenção psicolingüística, envolvendo professor ou especialista em ortografia (revisores de textos escolares) e alunos que apresentam alterações na grafia padrão da língua portuguesa, temos sugerido procedimentos como:
a)Pauta de Autocorreção Ortográfica (PAO) – A partir dos lapsogramas coletados nas pesquisas ortográficas, o professor ou especialista em ortografia elabora uma Pauta de Autocorreção Ortográfica, que consistirá em colocar um mesmo número sob cada tipo de erro ou lapso ortográfico. Em uma folha à parte, em forma de planilha, o professor escreve o critério de resposta correta que explique o número colocado sob cada palavra. Por exemplo, o professor escreve: “Revise sua escrita (ou grafia) com base no seguinte: O número 1 corresponde à aplicação da seguinte regra:” “A letra s representa o fonema /z/ quando é intervocálica, como em asa, mesa, riso”. Para esta atividade, o professor e os alunos podem se apoiar nas regras estabelecidas pelo Formulário Ortográfico ou pelas gramáticas normativas escolares.
b)Elaboração de um Inventário de Lapsogramas de Uso Freqüente –O professor deve, no seu cotidiano escolar, elaborar um inventário progressivo, em ordem alfabética, de palavras com dificuldades ortográficas observadas nas produções dos alunos (ou seja, lapsos verificados em todos os trabalhos dos alunos). Em seguida, o professor, à luz dos ensinamentos lingüísticos, deve levantar hipóteses lingüísticas (falta de consciência fonológica, por ex) ou psicolingüísticas (déficit de memória, por ex) para explicação das alterações ortográficas.
c)Realização de Jogos Ortográficos – O professor poderá trabalhar bem com as alterações ortográficas ao realizar jogos ortográficos a partir dos lapsogramas obtidos na produção escrita (redações escolares) de seus alunos.Um jogo bastante eficaz é o de Palavras cruzadas com pelo menos 20 palavras que apresentam freqüentemente alterações ortográficas no ditado de palavras.Uma outra atividade didática é o de incentivar, de forma lúdica, os alunos a identificarem raízes de palavras e a procurarem a história ou a origem das palavras que mais apresentam alterações ortográficas no ditado de palavras. Ainda nesta atividade, pode ser agregada a iniciativa de levar os alunos a criarem novas palavras ou a utilizarem prefixos e sufixos com os radicais, e a constatar seu efeito no significado dos neologismos.

Sugestões de leitura sobre o assunto:
1.CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & lingüística. 5ª ed. São Paulo: Scipione, 1992. pp. 95-146.
2.CARVALHO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
3.CRYSTAL, David. Dicionário de lingüística e fonética.Tradução e adaptação de Maria Carmelita Pádua Dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
4.FARACO, Carlos Alberto. Escrita e alfabetização: características do sistema gráfico do Português. São Paulo: Contexto, 1192. (Coleção Repensando a Língua Portuguesa)
5.GOULANDRIS, Nata K. Avaliação das habilidades de leitura e ortografia. In SNOWLING, Margaret: STACKHOUSE, Joy. Dislexia, fala e linguagem: um manual do profissional. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2004. pp.91-120.
6.GUIMARÃES, Gilda; ROAZZI, Antonio. A importância do significado na aquisição da escrita ortográfica. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4). pp.61-75.
7.LEAL, Telma Ferraz; ROAZZI, Antonio. A criança pensa...e aprende ortografia. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4).pp.99-120.
8.LEMLE, Mirim. Guia teórico do alfabetizador. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1991.
9.LLOP, Mario Pujol. Análisis de errores grafemáticos en textos libres de estudiantes de enseñanzas medias. Disponível em Internet: http://www.tdx.cesca.es/TDX-0906104-115216/. Acessado em 18/05/2005.
10.MASSINI-CAGLIARI, Gladis; CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das letras: a escrita na alfabetização. Campinas, SP: Mercado de Letras/ALB/Fapesp, 1999. (Coleção Leituras no Brasil)
11.MIYARES, Eloína; RUIZ, Vitelio. Vacuna ortográfica: val-Cuba. Nível primario. Metodologia pra prevenir y erradicar las faltas de ortografía. Habana: EdA, 1999.
12.MONTEIRO Ana Márcia Luna. “Sebra-ssono-pessado-asado”. O uso do “s” sob a ética daquele que aprende. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4). pp.43-60.
13.MORAIS, Artur Gomes de. “Por que gozado não se escreve com u no final?” – os conhecimentos explícitos verbais da criança sobre a ortografia. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4).pp. 77-98.
14.MORAIS, Artur Gomes de. Escrever como deve ser. In TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana. (orgs.). Além da alfabetização: a aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. Tradução de Stela Oliveira. São Paulo: Ática, 1996. pp. 61-84.
15.MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: este peculiar objeto de conhecimento. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Bel.o Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4). pp.7-19.
16.MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Bel.o Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4).
17.MUTTER, VALERIE. Antevendo as dificuldades de leitura e de ortografia das crianças. In SNOWLING, Margaret: STACKHOUSE, Joy. Dislexia, fala e linguagem: um manual do profissional. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2004. pp. 43-56.
18.REGO, Lucia Lins Browne; BUARQUE, Lair Levi. Algumas fontes de dificuldade na aprendizagem de regras ortográficas. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4).pp. 21-41.
19.SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização: baseado em princípios do sistema alfabético do Português do Brasil.São Paulo: Contexto, 2003.
20.SCLIAR-CABRAL, Leonor. Princípios do sistema alfabético do Português do Brasil.São Paulo: Contexto, 2003.
21.SILVA, Cínara Santana da; BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi. Reflexões sobre o ensino e a aprendizagem da pontuação. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4). pp. 121-139.
22.SNOWLING, Margaret: STACKHOUSE, Joy. Dislexia, fala e linguagem: um manual do profissional. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2004.
23.TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana. (orgs.). Além da alfabetização: a aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. Tradução de Stela Oliveira. São Paulo: Ática, 1996.
24.ZORZI, Jaime Luiz et ali. “A influência do perfil de leitor nas habilidades ortográficas”. Disponível em Internet: http://www.cefac.br/library/artigos/9ac5bcbbebadbc2160e2c7869d4890b7.p df. Acessado em 18/05/2005.
25.ZORZI, Jaime Luiz. “As inversões de letras na escrita o "fantasma" do espelhamento”. Disponível na http://www.cefac.br/library/artigos/3c269d1d920ea45f9274741052c717a4.pdf. Acessado em 18/05/2005.
26.Zorzi, Jaime Luiz. “As trocas surdas sonoras no contexto das alterações ortográficas”. Disponível em Internet http://www.cefac.br/library/artigos/84be6bc992b278e8e958a7523bb43ff1.pdf. Acessado em 18/05/2005.
27.ZORZI, Jaime Luiz. “Una secuencia de apropiacion de la ortografía del portugués”. Disponível na Internet: http://www.cefac.br/library/artigos/2b91dd8f0dbf2cd057e64d3405246a47.pdf. Acessado em 18/05/2005.
28.ZORZI, Jaime Luiz. Aprender a escrever: a apropriação ao sistema ortográfico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
29.ZORZI, Jaime Luiz. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: questões clínicas e educacionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.


Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará. E-mail: vicente.martins@uol.com.br

A GUERRA DOS MÉTODOS NA ALFABETIZAÇÃO



Vicente Martins

O presente artigo responde a quatro perguntas sobre método de alfabetização em leitura: (1) O método fônico é o mais eficaz para alfabetização?(2) Quais as principais diferenças entre o modelo fônico e o construtivista? (3) Segundo uma pesquisa feita pela revista Veja 60% das escolas adotam o modelo construtivista para alfabetização dos alunos. Por que a grande maioria opta por esse método? (4) Quais as vantagens que o aluno tem ao ser alfabetizado pelo método fônico?
Comecemos pela primeira questão. Há uma guerra dos métodos de alfabetização em leitura, no Brasil e fora do Brasil, especialmente a Europa, que, na verdade, dissimula uma outra guerra, de ordem ideológica e financista, entre especialistas no mundo da lectoescrita. Não é de hoje.
Diríamos que há, pelo menos, um século, discutimos a prevalência de um método sobre o outro. Ontem, hoje e amanhã, certamente, quem ganha, claro, terá seus dividendos editoriais e mais prestígio nacional ou internacional sobre o campo fértil das mídias, que é o da leitura e da escrita.
No Brasil, nos anos 60, século passo, o educador Paulo Freire, por exemplo, com seu método de alfabetização, ganhou notoriedade internacional por defender a aquisição da leitura além do acesso ao código lingüístico e de levar o alfabetizado a uma visão crítica, política e politizada de um mundo do trabalho, do cotidiano, da vida em sociedade, povoado de inquietações, aspirações sociais, violências simbólicas, conflitos de classes sociais e dominado por forças de dominação econômica e cultural. É um modelo inspirador para os alfabetizadores do século XXI.
A peleja dos métodos de alfabetização está bem polarizada: métodos fônicos de um lado, do outro, os construtivistas. Os métodos fônicos também são conhecidos por métodos sintéticos ou fonéticos. Partem das letras (grafemas) e dos sons (fonemas) para formar, com elas, sílabas, palavras e depois frases.
São vários modelos de métodos fônicos. Entre eles, o mais antigo e mais consistente, em termos de pedagogia da alfabetização em leitura, é o alfabético ou soletração, que consiste em primeiro ensinar as letras que representam as consoantes e, em seguida, unir as letras-consoantes às letras-vogais.
Os modelos alfabéticos de alfabetização em leitura, por seu turno, partem das sílabas para chegar às letras e aos seus sons nos contextos fonológicos em que aparecem. As cartilhas de ABC, durante muito tempo encontradas em mercearias ou bodegas ou mesmo mercados, eram o principal material didático e contavam com a presença forte do alfabetizador que acreditava que, pelo caminho da repetição das letras e dos seus sons, o aluno logo chegaria ao mundo da leitura.
Os métodos construtivistas de alfabetização em leitura, também chamados analíticos ou globais partem das frases que se examinam e se comparam para, no processo de dedução, o alfabetizando encontrar palavras idênticas, sílabas parecidas e discriminar os signos gráficos do sistema alfabético.
A aplicação do método construtivista, na prática, quando aplicado, tende a ser mais praxiologia do que mesmo método. Por que praxiologia? Induz à alfabetização, centra-se no alfabetizando e não no alfabetizador, quando, a rigor, nesse momento, a intervenção do educador se faz importante uma vez que há necessidade, na alfabetização, de um ensino sistemático e diretivo para levar o aluno à compreensão do sistema de escrita da língua. É na alfabetização que o aluno deve construir a consciência lingüística da leitura.
A tradição de helênica de alfabetização nos leva a considerá-la uma importante etapa da educação escolar (embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação(LDB), promulgada, em 1986, não faça referência a uma sala específica de alfabetização na educação infantil ou no ensino fundamental) como uma iniciação no uso do sistema ortográfico.
Há uma espécie de consenso entre os alfabetizadores de considerar que a alfabetização é um processo de aquisição dos códigos alfabético e numérico cujo finalidade última é a de levar o alfabetizado ao letramento e ao enumeramento, isto é, a adquirir habilidades cognitivas para desenvolver práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito.
Mas como garantir a alfabetização em leitura? Através de métodos ou estratégias de aprendizagem. Por isso, quando nos reportamos, historicamnente, aos métodos de alfabetização em leitura, estamos nos referindo, dentro da longa tradição da alfabetização, a um conjunto de regras e princípios normativos que regulam o ensino da leitura. Nos anos 60, a maioria da população brasileira aprendeu a ler pelo método da silabação, que consiste em ensinar a ler por meio do aprendizado de sílabas e a partir delas a formar palavras e frases. A segmentação das sílabas em fonemas e letras é uma etapa posterior.
Todavia, só o método, em si, não garante a aprendizagem. É importante a formação do alfabetizador. Sem formação lingüística, o método pode perder sua eficácia. A alfabetização em leitura é diretamente relacionada com o sistema de escrita da língua.
No caso das chamadas línguas neolatinas, particularmente o Português e o Espanhol, o método fônico se torna um imperativo educacional por conta do próprio sistema lingüístico, isto é, o chamado princípio alfabético, manifesto na correspondência entre grafemas e fonemas e na ortografia sônica, mais regular e digamos, assim, mais biunívoca: uma letra representa um fonema, na maioria dos casos. Como a língua não é perfeita unívoca – exatamente por é social, construída historicamente pala comunidade lingüística - sons como /sê/ ou /gê/ poderão terão várias representações gráficas, transformando esses casos isolados em contextos equívocos e que, no fundo, podemos contar nos dedos e que não perturba o processo de alfabetização.
Com as afirmações acima, já podemos estabelecer algumas diferenças básicas entre os dois métodos. O fônico, como o próprio nome nos sugere, favorece o princípio alfabético, a relação grafema-fonema e seu inverso, isto é, a relação fonema-grafema. Se a escola partir do texto escrito, no método fônico, estará, assim, enfatizando a relação grafema-fonema. Se a escola parte da falta do alfabetizando, focalizará, desde logo, a relação fonema-grafema.
O grande desafio dos docentes ou dos pedagogos da leitura é, tendo conhecimento de Lingüística e Alfabetização, levar os alunos a entenderem, ao longo do processo de alfabetização, as noções de fonema e grafema. Entender, por exemplo, que fonema, som da fala, faz parte do chamado módulo fonológico, uma herança genética do ser humano.
Na fase de balbucio, ainda não os sons da fala ainda não manipulados pela criança, mas, a partir dos três anos de idade, já considerada nativa, a escola pode ensinar ao educando, sistematicamente, o sistema sonoro da língua, levando-o à consciência fonológica ou fonêmica, de modo que entendam que o fonema é uma unidade mínima das línguas naturais no nível fonêmico, com valor distintivo.
Os investigadores de leitura mostram que o método fônico também é mais eficiente para as comunidades lingüísticas pobres, ou seja, as camadas populares com acesso precário aos bens culturais da civilização letrada. Por que isso ocorre? Graças ao fonema podemos distinguir morfemas ou palavras com significados diferentes, todavia próprio fonema não possui significado. Em português, as palavras faca e vaca distinguem-se apenas pelos primeiros fonemas/f/ e/v/.
Os fonemas não devem ser confundidos, todavia, com as letras dos alfabetos, porque estas frequentemente apresentam imperfeições e não são uma representação exata do inventário de fonemas de uma língua. As letras do alfabeto são signos ou sinais gráficos que representam, na transcrição de uma língua, um fonema ou grupo de fonemas. Como as letras não dão conta de todo o sistema de escrita, os lingüistas falam em grafemas no campo da escrita.
Os grafemas, bastante variados, estão presentes no sistema da escrita da língua portuguesa. Para a compreensão da escrita alfabética ou ortografia da língua portuguesa, a noção de grafema se faz necessária uma vez ser uma unidade de um sistema de escrita que, na escrita alfabética, corresponde às letras e também a outros sinais distintivos, como o hífen, o til, sinais de pontuação e os números.
O método global além de não ter funcionado ou vir tendo uma resposta eficaz no sistema educacional da América Latina, uma vez que não se presta ao nosso sistema lingüístico, ao contrário do método fônico, que requer conhecimentos metalingüísticos da fonologia da língua portuguesa, o global requer dos alunos uma maior carga de memorização lexical.
O método global de alfabetização em leitura peca porque sobrecarrega a memória dos alfabetizandos quando ainda não estão em processo de construção do seu léxico, que depende, como nos ensina o sociointeracionismo, das relações intersubjetivas ou interpessoais e de engajamento pragmático das crianças no uso social da língua. Numa palavra, diríamos que o método global depende muito das formas de letramento da sociedade, dos registros de atos de fala, nos diferentes contextos sociais e culturais da sociedade, em que a palavra é, assim, o grande paradigma em ponto de partida da pedagogia da leitura. Para os países desenvolvidos e com equipamentos sociais à disposição dos alunos, cai como uma luva.
Para os países subdesenvolvimentos, tem se constituído uma lástima e é deplorável a situação por que passa o Brasil, nos exames nacionais e internacionais, anunciando o nosso pais como o pior país do mundo em leitura.Ao contrário do método fônico, o método global não tem um caráter emancipatório, retarda o ingresso da criança no mundo da leitura.
A partir dos anos 80, no século passado, o Brasil, através de seus governos, influenciado com os achados da psicogênese da escrita, realmente uma teoria (e não pedagogia) bastante sedutora em se tratando de postulações pedagógicas, adotou o método construtivista para o sistema educacional, em particular, o público, a adotar o método construtivista ou global. Uma década depois, os resultados pífios do Sistema de Avaliação da Educação Escolar (convertido,agora, em Prova Brasil) revelaram que as crianças, depois de oito anos de escolaridade, estavam ainda com nível crítico de alfabetização, mal sabiam decodificação, isto é, transformar os signos gráficos(letras) em leitura. Sem leitura, como sabemos, o aluno não tem estratégia de desenvolvimento de capacidade de aprender ou de aprendizagem.
Os primeiros seis anos do século XXI já assinalam o principal desafio dos governos, estabelecimentos de ensino e docentes, no meio escolar, é o de levar o aluno ao aprendizado da lectoescrita. O que deveria ser básico se tornou um desafio aparentemente complexo para os docentes da educação básica: assegurar, através da leitura, escrita e cálculo, a aprendizagem escolar.
Por que o domínio básico de lectoescrita se tornou tão desafiador para o sistema de ensino escolar? Por que ensinar a ler não é tão simples? Como desvelar o enigma do acesso ao código escrito? Em geral, quando nos deparamos com as dificuldades de leitura ou de acesso ao código escrito, esperamos dos especialistas métodos compensatórios para sanar a dificuldade.
Nenhuma dificuldade se vence com método mirabolante. O melhor caminho, no caso da leitura, é o entendimento lingüístico, do fenômeno lingüístico que subjaz ao ato de ler. Ler é ato de soletrar, de decodificar fonemas representados nas letras, reconhecer as palavras, atribuir-lhes significados ou sentidos, enfim, ler, realmente, não é tão simples como julgam alguns leigos.
O primeiro passo, nessa direção, o de ensinar o aluno a aprender a ler antes para praticar estratégias de leitura depois, em outras palavras, de atuar eficientemente com as dificuldades do acesso ao código escrito, as chamadas dificuldades leitoras ou dislexias pedagógicas, é ensinar o aluno a aprender mais sobre os sons da língua, ou melhor, como a língua se organiza no âmbito da fala ou da escrita.Quando me refiro à fala, estou me referindo, sobretudo, aos sons da fala, aos fonemas da língua: consoantes, vogais e semivogais.
A leitura, em particular, tem sua problemática agravada por conta de dificuldades de sistematização dos sons da fala por parte da pedagogia ou metodologia de plantão: afinal, qual o melhor método de leitura? O fônico ou o global? Como transformar a leitura em uma habilidade estratégica para o desenvolvimento da capacidade de aprender e de aprendizagem do aluno?
Assim, um ponto inicial a considerar é a perspectiva que temos de leitura no âmbito escolar. Como lingüística, acredito que a perspectiva psicolingüística responde a série de questionamentos sobre o fracasso da leitura na educação básica. Em geral, os docentes não partem, desde o primeiro instante de processo de alfabetização escolar, da fala. A fala recebe um desprezo tremendo da escola e é fácil compreender o porquê: a escrita é marcador de ascensão social ou de emergência de classe social.
A escrita é ideologicamente apontada como sendo superior a fala. A tal ponto podemos considerar essa visão reducionista da linguagem, que quem sabe falar, mas não sabe escrever, na variação culta ou padrão de sua língua, não tem lugar ao sol, não tem reconhecimento de suas potencialidades lingüísticas. Claro, a escrita não é superior a fala nem a fala superior a escrita. Ambas, interdependentes. A alma e o papel, o pensamento e a linguagem, a fala e a memória, todos esses componentes têm um papel extraordinário na formação para o leitor proficiente.
1. ABUD, Maria José Millarezi. O ensino da leitura e da escrita na fase inicial de escolarização. São Paulo: EPU, 1987. (Coleção temas básicos de educação e ensino)
2. ALLIEND, G. Felipe, CONDEMARÍN, Mabel. Leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Tradução de José Cláudio de Almeida Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
3. BETTELHEIM, Bruno, ZELAN, Karen. Psicanálise da alfabetização. Tradução de José Luiz Caon. Porto Alegre: Artmed, 1984.
4. BOUJON, Christophe, QUAIREAU, Christophe. Atenção e aproveitamento escolar. Tradução de Ana Paula Castellani. São Paulo: Loyola, 2000.
5. CARDOSO-MARTINS, Cláudia (org.). Consciência fonológica e alfabetização.Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
6. CARVALHO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
7. CASTELLO-PEREIRA, Leda Tessari. Leitura de estudo: ler para aprender a estudar e estudar para aprender a ler. Campinas, SP: Alinea, 2003.
8. CATACH, Nina (org.). Para uma teoria da língua escrita. Tradução de Fulvia M. L Moretto e Guacira Marcondes Machado. São Paulo: Ática, 1996.
9. CATANIA, A. Charles. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. 4ª ed. Tradução de Deisy das Graças de Souza. Porto Alegre: Artmed, 1999.
10. CHAPMAN, Robin S. Processos e distúrbios na aquisição da linguagem. Tradução de Emilia de Oliveira Diehl e Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed, 1996.
11. COHEN, Rachel, GILABERT, Hélène. Descoberta e aprendizagem da linguagem escrita antes dos 6 anos. Tradução de Clemence Marie Chantal Jouët-Pastre et ali. São Paulo: Martins Fontes, 1992. (Coleção Psicologia e Pedagogia)
12. COLL, César, MARCHESI, Álvaro e PALACIOS, Jesús. Desenvolvimento psicológico e educação: volune 3, transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais. 2 ed. Tradução Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2004.
13. COLOMER, Teresa, CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.
14. CONDEMARÍN, Mabel e MEDINA, Alejandra. A avaliação autêntica: um meio para melhorar as competências em linguagem e comunicação. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005
15. CONDEMARÍN, Mabel, GALDAMES, Viviana, MEDINA, Alejandra. Oficina da linguagem: módulos para desenvolver a linguagem oral e escrita. 1ª ed. Tradução de Marylene Pinto Michael. São Paulo: Moderna, 1999.
Vicente Martins é professor da Universidade Estadual vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará. E-mail:
vicente.martins@uol.com.br

Como melhorar o ensino do português












No presente artigo, oferecemos uma proposta de quatro oficinas ou encontros pedagógicos para a melhoria do Ensino do Português na Escola, especialmente o Ensino Fundamental. Tomaremos como paradigma para ação pedagógica a contribuição da Lingüística, Psicolingüística e Psicologia Cognitiva. As sugestões a seguir podem ser aplicadas ao próprio ambiente de trabalho, isto é, na escola e em serviço, reunindo professores-formadores e professores em formação contínua ou continuada.O primeiro passo dos docentes é considerar a proposta pedagógica da escola para o ensino Fundamental. Assim, pertinente é a realização de uma Oficina de Leitura, Análise e Reestruturação da Grade Curricular da Disciplina Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. A oficina pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Ensinar a Língua Portuguesa. Caberá ao formador dos docentes tomar como parâmetro de estudo as diretrizes estabelecidas pelo MEC/CNE para o Ensino Fundamental, através de documentos específicos (PCN, Resolução, Portaria, por exemplo) sobre o assunto, reestruturando o currículo do Ensino Fundamental, para a discussão com os professores, em três dimensões: a) competências: comunicativa, lingüística e lectoescritora; b) Conteúdos: Fonologia, Ortografia, Morfologia e Sintaxe, com detalhes de assuntos ou tópicos de cada setor de estudo e c) Habilidades Cognitivas e Instrumentais a serem alcançadas no final de cada série. A partir das discussões com os professores, os formadores, em geral, observarão que muitos pontos do currículo ainda não são devidamente trabalhados pelos docentes, prática que nos sugere uma formação deficitária dos mesmos. Os erros ortográficos, por exemplo, ainda são trabalhados, em sala de aula, de forma tradicional, com punições e atitudes não pedagógicas, não levando o professor, em conta, a contribuição da Lingüística, Psicolingüística e Psicopedagogia na abordagem do ensino-aprendizagem da ortografia. Compreender mais sobre a memória, como as crianças memorizam as formas lingüísticas, é fundamental para um ensino eficaz em sala de aula. Uma segunda oficina que proponho aqui pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Escrever Corretamente. Inicialmente, deve o professor-formador apresentar aos professores os principais teóricos sobre o ensino de Ortografia. O professor-formador pode começar por oferecer aos docentes em formação, para um tratamento didático sobre a matéria, uma série de exercícios para que os mesmos, a partir das alterações ortográficas, verificadas nos textos escritos dos alunos, possam reverter a situação de disortografia e promover o domínio da língua na sua variação culta. Em geral, essa oficina ou encontro vai assinalar a necessidade de uma formação específica dos docentes para o trabalho com a ortografia a partir da produção textual, especialmente tomando a revisão como parte do processo da construção do texto. Minha terceira idéia é a oficina foi denominada Como Desenvolver a Capacidade de analisar e refletir sobre a Língua(Gramática). Nas discussões com os professores, percebemos que os mesmos têm a crença de que o domínio da língua culta passa pelo conhecimento gramatical e lingüístico. O enfoque do formador deve ser o de que é responsabilidade da escola o ensino da gramática, o que não significa restrição ao ensino de normas gramaticais, mas uma atitude de mostrar aos alunos que a língua culta, especialmente a gramática normativa, referencia, em nossa sociedade letrada, uma classe social emergente e que é papel da escola pública, municipal ou estadual, oferecer aos educandos competências para aquisição e desenvolvimento da comunicação requerida para uma cidadania ativa. De modo geral, os professores têm uma forte inclinação ao ensino normativo da língua portuguesa, especialmente as normas extraídas de textos referenciados pela literatura clássica, o que os levará, decerto, a orientá-los à tomada de decisão na escolha de novos paradigmas normativos de uso da língua previstos nos jornais e as revistas de grande circulação nacional e na mídia eletrônica, em especial, a Internet. Por fim, a quarta e última oficina pode ser denominada Como Desenvolver a Capacidade de Leitura e de Produção de Textos(Leitura e Escrita). Esta Oficina mostrará, desde logo, a importância da compreensão leitora, isto é, a compreensão do texto lido, como uma das habilidades mais significativas no processo de formação escolar dos estudantes do Ensino Fundamental. No tocante ao texto escrito, ao professor-formados caberá a oferta de uma metodologia processual, com base na abordagem cognitiva (Psicolingüística) para que os professores, em formação (e preferencialmente em serviço) trabalhem a produção textual em diferentes fases (planejamento, produção, seleção e organização de idéias, revisão, releitura do texto e edição final), de modo a não se limitar a avaliação do texto para verificação de aprendizagem (atribuição de nota), mas procurando dar um novo destino ou audiência aos mesmos: por exemplo, publicação dos textos dos alunos em jornais locais e na Internet